Pesquisar este blog

domingo, 29 de janeiro de 2017

Coração Vagabundo

Meu coração não se cansa
De ter esperanças
De um dia ser tudo que quer
Meu coração de criança
Não é mais que a lembrança
De um vulto feliz de mulher


Que passou por meus sonhos
Sem dizer adeus
E fez dos olhos meus
Um chorar mais sem fim
Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo em mim.


(Roberta Sá)


“Ler é viajar com os pés no chão.” A velha frase da infância é a máxima de todo leitor. Quem nunca viajou com os livros nas mãos? Quem nunca se perdeu nas horas em uma livraria? Quem nunca se envolveu na história do livro favorito, a tal ponto de sofrer com os personagens? Ler é isso: ir além dos versos, ultrapassar a decodificação das palavras e entender as entrelinhas, as vozes e as lições que os livros querem nos ensinar.

Como dizia André Maurois: “ A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde.”

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

"De noite, ia até o observatório cumprir o tempo que me faltava para concluir o curso, aquele absurdo que minha família abominava.
— Só o que faltava. Filho meu passar a noite inteira olhando estrela. Vai morrer de fome, e eu vou ter que pagar o enterro!
Meu pai não tinha muita paciência com elas. Pior para o velho. As estrelas iam durar mais que ele. Padecia de um dos males mais comuns da sua turma: ver o filho médico, advogado, engenheiro, um filho cheio de dinheiro. E lá estava eu que não sabia nem para que o dinheiro servia..."


Paulo Leminski

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Poesia não é só romantismo! Duvida? Comprove!

Por Pamela Camocardi


Já imagino as diversas reações indignadas: é sim! Puro romantismo! Calma, poesia é sim sentimentalismo, lirismo, musicalidade e tudo mais que remeta ao subjetivismo, mas como não devemos generalizar nada, na literatura também não devemos fazer isso. Quem nunca ficou pensativo com os poemas de Fernando Pessoa ou nunca se emocionou com os sonetos de Vinícius de Moraes? Quem nunca chorou mares com a poesia ora sentimental, ora realista de Drummond e de Cecília Meirelles? A verdade é que, em algum momento de nossas vidas, todos nós nos encontramos em alguma poesia.


Diante de tanto sentimento, a definição de poesia restrita ao subjetivismo parece estar impregnada no cérebro assim como dois mais dois são quatro e a desconstrução dessa definição parece absurda. Porém, se pensarmos em poesia como expressão da realidade, temos uma visão ampla do que ela representa. Sejamos objetivos: a vida é sempre bela? Sem problemas, medos com representações de amores correspondidos? Nem em conto de fadas isso acontece. A vida acontece em meio a lutas e o verdadeiro poeta retrata o que passa dentro do peito dos guerreiros, por isso, a poesia é tão próxima do leitor. Além de dar ao poeta liberdade de retratar seus mais variados sentimentos, a poesia oferece diversos recursos para que o poeta teça seu próprio estilo: o ritmo, as normas, o vocabulário, a forma como se direciona ao leitor, a métrica, entre tantos outros.


O preocupante é que poucos se dão conta de que a poesia vai além do lirismo. Poesia é vida e vida é realidade! Em contramão a esse romantismo todo há vários poetas que retratam a vida tal qual ela é: Augusto dos Anjos, o próprio Carlos Drummond de Andrade (que vezes retrata o romantismo, vezes a realidade), João Cabral de Melo Neto, Charles Bukowski são bons exemplos disso. Conhecer a obra deles é ampliar não só seu conhecimento sobre o gênero literário em questão, mas sobre seu conhecimento de mundo. Pelo romanstimo ou pela realidade exposta em versos, a leitura sempre valerá a pena!
E no meio do caos, me encontro. No meio dessa busca por algo que nem sei direito o que é (ou se existe). Meu delírio é essa experiência, essa busca que começa cheia de pergunta e termina quase sem respostas (por que tanto simbolismo, tanta linguagem diferente?)...


Viver é incerto e perigoso. E quanto mais descubro isso, mais eu quero ...

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

(Manoel de Barros)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Um dos males que minam os relacionamentos vem a ser o costume, quando nos acostumamos demais com a pessoa e passamos a banalizar aquilo que ela possui de mais verdadeiro. Com isso, paramos de prestar atenção ao que ela diz ou demonstra, como se nada mais pudesse ser capaz de abalar os sentimentos dela para conosco. É como se, uma vez instalada a afeição, o amor e o comprometimento, tudo isso duraria para sempre. Não, não é tão simples assim.
Não podemos achar que somente a conquista de alguém já é garantia de que estaremos juntos dali em diante. Assim como tudo o que há, aquilo que não for cuidado, regado, alimentado e revivido, acaba arrefecendo, murchando, secando, morrendo enfim. É assim com as pessoas, com os sentimentos, com os objetos, é assim também com o amor. Nada é para sempre, a não ser o que for verdadeiro, o que ficar dentro de nós, o que nos fizerem, os sorrisos, as mãos dadas, cada “bom dia” e “boa noite”.
E a gente tenta sempre fazer dar certo, porque a gente quer que dê certo, quer amar e ser amado para sempre, com tudo, apesar de tudo, mas sobretudo quer. E os dias começam a se arrastar e a gente vai avisando, vai alertando, chamando, como que implorando por atenção, por ser alguém de novo na vida do outro, que está seguindo sem nós. A gente avisa, avisa, a gente avisa de novo e de novo. E chega o dia em que a gente cansa, cansa de vez, cansa de uma vez por todas.
E o mais interessante é que, geralmente, o outro parece somente cair em si quando nós já não temos mais forças para tentar, quando esvaziamos por completo qualquer traço de afetividade de dentro de nós, quando já decidimos, já resolvemos, quando nossa dignidade não mais nos permite continuar ali. Dias, meses, anos de alerta, de sofrimento, de conversas, discussões, tudo em vão. Então, quando a pessoa nos vê de malas prontas, só assim percebe que não viverá sem nós. Sinto muito, já era.
Ninguém consegue suportar fazer o papel de um nada por muito tempo, porque não há força capaz de ser mais forte do que a dor do vazio, do retorno que nunca chega, da reciprocidade que nunca é sentida, expressa, falada, explícita. E a gente simplesmente se cansa e, quando isso acontece, nada poderá nos convencer a ficar, pois então já será tarde demais.



Texto Marcel Camargo

Lua adversa

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…


(Cecília Meireles)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017



10 coisas que devem ter ficado em 2016

- Julgamento, porque quebra a visão do todo, a consciência da interligação entre tudo e todos
- Críticas, porque aprisionam a limites pré-estabelecidos
- Acomodação, porque é o estado dos mortos
- Lamúrias, porque impedem a visão do novo
- Ansiedade, porque tira a prontidão da ação
- Medos, porque são os ladrões da fé e esperança
- Fofocas, porque são agentes da proliferação do mal
- Expectativas, porque além de limitar o sucesso, criam ilusões (é o berço das frustrações)
- Rancor, porque nos coloca no lodo do azedume, aniquilando a força do amor
- Procrastinação, porque se desperdiça a preciosidade do tempo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

"Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor."

Clarice Lispector, em "Para não esquecer".
Tu pode fazer a eternidade durar alguns minutos. Pode aprender a amar o passageiro, aprender a desapegar do medo de não ter, de não viver mais, de não possuir. Curtir as visitas que surgem como beija-flores pousando na floreira de sua janela. Deixar as delicadas surpresas colorirem a sua rotina sem aventuras...
Tu pode amar, enfim, sozinho ou acompanhado, gratuitamente, livremente, sem medos e sem cuidados. Amar sem escravizar e querer ser escravizado! Perder o medo da chuva e aprender o segredo da vida!
(...)

O mundo é grande

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, 7 de janeiro de 2017

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não


Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração

Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

....

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

VINICIUS DE MORAES

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

ODE AO DIA FELIZ

Desta vez deixa-me
ser feliz,
nada aconteceu a ninguém,
não estou em parte alguma,
acontece somente
que sou feliz
pelos quatro lados
do coração, andando,
dormindo ou escrevendo.
O que vou fazer, sou
feliz.
Sou mais inumerável
que o pasto
nas pradarias,
sinto a pele como uma árvore rugosa
e a água abaixo,
os pássaros acima,
o mar como um anel
em minha cintura,
feita de pão e pedra, a terra
o ar canta como um violão.

Tu ao meu lado na areia,
és areia,
tu cantas e és canto,
o mundo
é hoje minha alma,
canto e areia,
o mundo
é hoje tua boca,
deixa-me
em tua boca e na areia
ser feliz,
ser feliz porque sim, porque respiro
e porque tu respiras,
ser feliz porque toco
teu joelho
e é como se tocasse
a pele azul do céu
e seu frescor.

Hoje deixa-me
a mim só
ser feliz,
com todos ou sem todos,
ser feliz
com o pasto
e a areia,
ser feliz
com o ar e a terra,
ser feliz,
contigo, com tua boca,
ser feliz.

( Pablo Neruda )
O que prevalece agora é essa maneira nova de sentir a vida. Essa perspectiva que me faz admirar, incansáveis vezes, antigas preciosidades. Essa vontade de bendizer tantas maravilhas. Esse sentimento de gratidão pelas coisas mais simples que existem. Esse canal que escolho assistir com mais frequência. Esse jeito mais amigo de ouvir meu coração.
(…)
Os problemas, os desafios, as limitações, não deixaram de existir. Deixaram apenas de ocupar o espaço todo.


Ana Jácomo

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Acho estranho quem nunca desiste, nunca muda, nunca erra. Quem nunca se permite dar voltas na vida. Não volta atrás em uma decisão. Quem não rebobina um filme ou não dá um passo maior que a perna e assim aprende a voar. Estranho é quem acha que a vida é sempre em frente e em linha reta. 
Começo, meio e fim. Quem foi que disse que a vida é assim?
Estranho é quem tem certeza de tudo, já nasceu sabendo, tem um planejamento arquitetônico da vida, cada centímetro no seu lugar. Estranho é quem não troca o certo pelo duvidoso e o duvidoso pelo certo. Quem não cai de paraquedas numa história, quem não tropeça e quem não aprende a levantar, quem não encontra desvios no caminho. Quem não se perde para se encontrar. Quem não escuta o coração. 
Estranho é quem não inclui um subcapítulo no roteiro da vida e não muda totalmente a própria história. Estranho é quem não titubeia. É quem não rasura os traços do destino com desenhos do acaso. Estranho é quem não muda o filme quando sente que não pode mais engolir as mesma falas. E quem não repete muitas vezes a mesma história quando ainda se encanta com ela. 
Estranho é quem não entende que a vida é balanço e não sabe que o vento que guia a nossa natureza humana é rebelde, vezes levando longe, vezes descabelando, vezes girando em torno de si mesmo. 
Estranho é quem não percebeu que a vida não tem GPS e que as setas indicam para todos os lados porque na bússola do coração o norte varia de acordo com a umidade do am(ar). Estranho é quem não aceita a nossa inerente inconstância humana. 
Estranho é quem segue a boiada sem nunca questionar. Quem acha tudo normal. Quem não experimenta, nem que seja em pensamento, viver na pele de outra pessoa. Estranho é quem não quer se testar, quem não tem abertura para ouvir, expressar, tentar entender, mudar de opinião, em busca de desenvolver nesta vida mesmo o melhor de si mesmo, o melhor que pode ser, o mais longe que pode chegar enquanto pessoa, enquanto ser humano. Estranho é quem tem medo de mudanças, mas não tem medo de estagnar. Não tem medo de ver a vida passar pela janela. Quem não se usa para evoluir. Quem não deixa de lado o que não interessa, quem perde tempo com o que atrasa e amarga. Estranho é quem é mais autoritário do que amoroso consigo mesmo, com a vida e com os outros. 
Estranho é quem se abandona nos dias e chama isso de viver.


Clara Baccarin

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

O guardador de rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

(Fernando Pessoa)