Há quem diga que Arte são "vozes do silêncio", sendo assim, busco aqui rascunhar os silêncios que encontro e me tocam. Afinal, como já disse Ferreira Gullar: a arte existe porque a vida não basta.
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domingo, 27 de agosto de 2017
Enche o meu peito, num encanto mago, O frêmito das coisas dolorosas... Sob as urzes queimadas nascem rosas... Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago Em mim? Eu oiço bocas silenciosas Murmurar-me as palavras misteriosas Que perturbam meu ser como um afago!
E nesta febre ansiosa que me invade, Dispo a minha mortalha, o meu burel, E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor, Boca a saber a sol, a fruto, a mel: Sou a charneca rude a abrir em flor!
Florbela Espanca
O que você me pede, eu não posso fazer. Assim você me perde e eu perco você. Como um barco perde o rumo. Como uma árvore no outono, perde a cor.
O que você não pode, eu não vou te pedir. O que você não quer, eu não quero insistir. Diga a verdade, doa a quem doer, Doe sangue e me de seu telefone.
Todos os dias, eu venho ao mesmo lugar. Às vezes fica longe, difícil de encontrar. Mas quando o neon é bom. Toda noite é noite de luar.
No táxi que me trouxe até aqui, Julio Iglesias me dava razão. No clipe Paul Simon tava de preto, mas na verdade não era não. Na verdade "nada" é uma palavra esperando tradução.
Toda vez que falta luz. Toda vez que algo nos falta. O invisível nos salta aos olhos. Um salto no escuro, da piscina.
O fogo ilumina muito, por muito pouco tempo. Em muito pouco tempo, o fogo apaga tudo, tudo um dia vira luz. Toda vez que falta luz. O invisível nos salta aos olhos.
Ontem à noite, eu conheci uma guria. Já era tarde, era quase dia. Era o princípio, num precipício. Era o meu corpo que caía.
Ontem à noite, a noite "tava" fria. Tudo queimava, mas nada aquecia. Ela apareceu, parecia tão sozinha. Parecia que era minha, aquela solidão.
Ontem à noite, eu conheci uma guria que eu já conhecia. De outros carnavais, com outras fantasias, Ela apareceu, parecia tão sozinha. Parecia que era minha aquela, solidão. No inicio era um precipício, um corpo que caía. Depois virou um vicio, acordar no outro dia. Ela apareceu, parecia tão sozinha. Parecia que era minha aquela, solidão.
quinta-feira, 24 de agosto de 2017
Dessa água eu não beberei Eu cansei de dizer Eu jurava que não Mas no fundo queria você
A cabeça dá ordens Que o coração não aceita E se o caso é paixão Simplesmente ele nada respeita
De repente Sem mais nem porquê Você liga pra mim Diz que se arrependeu Que me ama e coisas assim Começo a sonhar Me deixo levar Nem penso em medir conseqüências Se de novo eu tiver que chorar - paciência... O amor me venceu O orgulho perdeu A boca sorrindo E os olhos vermelhos A cabeça de pé E o coração de joelhos
Ah, já não sou Dona de mim Eu jurava que não E de novo estou amando assim
Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade
segunda-feira, 14 de agosto de 2017
É tão suave a fuga deste dia, Lídia, que não parece, que vivemos. Sem dúvida que os deuses Nos são gratos esta hora,
Em paga nobre desta fé que temos Na exilada verdade dos seus corpos Nos dão o alto prêmio De nos deixarem ser
Convivas lúcidos da sua calma, Herdeiros um momento do seu jeito De viver toda a vida Dentro dum só momento,
Dum só momento, Lídia, em que afastados Das terrenas angústias recebemos Olímpicas delícias Dentro das nossas almas.
E um só momento nos sentimos deuses Imortais pela calma que vestimos E a altiva indiferença Às coisas passageiras
Como quem guarda a c'roa da vitória Estes fanados louros de um só dia Guardemos para termos, No futuro enrugado,
Perene à nossa vista a certa prova De que um momento os deuses nos amaram E nos deram uma hora Não nossa, mas do Olimpo.
Não te amo como uma criança, nem Como um homem e nem como um mendigo Amo-te como se ama todo o bem Que o grande mal da vida traz consigo.
Não é nem pela calma que me vem De amar, nem pela glória do perigo Que me vem de te amar, que te amo; digo Antes que por te amar não sou ninguém.
Amo-te pelo que és, pequena e doce Pela infinita inércia que me trouxe A culpa é de te amar — soubesse eu ver
Através da tua carne defendida Que sou triste demais para esta vida E que és pura demais para sofrer.
(Vinícius de Moraes)
sábado, 5 de agosto de 2017
Eu queria fazer parte das árvores como os pássaros fazem. Eu queria fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Eu só não queria significar. Porque significar limita a imaginação. E com pouca imaginação eu não poderia fazer parte de uma árvore. Como os pássaros fazem. Então a razão me falou: o homem não pode fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Porque o homem não se transfigura senão pelas palavras. E era isso mesmo.