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domingo, 14 de maio de 2017

XXI
À minha mãe.
Sei que um dia não há (e isso é bastante
A esta saudade, mãe!) em que a teu lado
Sentir não julgues minha sombra errante,
Passo a passo a seguir teu vulto amado.
- Minha mãe! minha mãe! – a cada instante
Ouves. Volves, em lágrimas banhado,
O rosto, conhecendo soluçante
Minha voz e meu passo acostumado.
E sentes alta noite no teu leito
Minh’alma na tua alma repousando,
Repousando meu peito no teu peito…
E encho os teus sonhos, em teus sonhos brilho,
E abres os braços trêmulos, chorando,
Para nos braços apertar teu filho!


( Olavo Bilac )

quarta-feira, 10 de maio de 2017

isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

(Paulo Leminski)

terça-feira, 9 de maio de 2017

A Bela e a Fera

Ouve a declaração, oh bela
De um sonhador titã
Um que dá nó em paralela
E almoça rolimã
O homem mais forte do planeta
Tórax de Superman
Tórax de Superman
E coração de poeta

Não brilharia a estrela, oh bela
Sem noite por detrás
Tua beleza de gazela
Sob o meu corpo é mais
Uma centelha num graveto
Queima canaviais
Queima canaviais
Quase que eu fiz um soneto

Mais que na lua ou no cometa
Ou na constelação
O sangue impresso na gazeta
Tem mais inspiração
No bucho do analfabeto
Letras de macarrão
Letras de macarrão
Fazem poema concreto

Oh bela, gera a primavera
Aciona o teu condão
Oh bela, faz da besta fera
Um príncipe cristão
Recebe o teu poeta, oh bela
Abre teu coração
Abre teu coração
Ou eu arrombo a janela

(Nando Reis)
Escute só, isto é muito sério.

Anda, escuta que isso é sério!

O mundo está tremendamente esquisito. Há dez anos atrás o Leon me disse que existe uma rachadura em tudo e que é assim que a luz entra, não sei se entendi. Você percebe alguma coisa da mistura entre falhas e iluminação? 

Aliás, me diga, você percebe alguma coisa de carpintaria? Você sabe por que meteram um boi naquele estábulo ao invés de um pequeno rinoceronte? Deve ter tido alguma coisa a ver com a geografia. Ou com os felizmente insolussionáveis mistérios que só podem vir do misticismo asiático. Um boi é um bicho tão… inexplicável. Ainda bem.

O amor é um animal tão mutante, com tantas divisões possíveis.
Lembra daqueles termômetros que usávamos na boca quando éramos pequenininhos? Lembra da queda deles no chão? 

Então, acho que o amor quando aparece é em tudo semelhante à forma física do mercúrio no mundo. Quando o vidro do termômetro se quebra, o elemento químico se espalha e então ele fica se dividindo pelos salões de todas as festas. Mercúrio se multiplicando. Acho que deve ser isso uma das cinco mil explicações possíveis para o amor.

Ah é! Eu gosto de você. A luz entrou torta por nós a dentro, mas, olha, eu gosto de você! A luz do verão passado quebrou o vidro da melancolia e agora ela fica se expandindo pelas ruas todas. Desde aquele outro lado do Sol até esse tremendo agora. 

Hoje ainda faz bastante frio. As cinzas ainda não aterraram sobre as cabeças disfarçadas, tem gente batucando suor e cerveja pelas ruas de nossa cidade sul. Na cidade norte, há ondas de sete metros tentando acertar no terceiro olho dos rapazinhos disfarçados de cowboys.

[suspiro]

O mestre ainda não veio decretar o começo da abstenção e, olha, a luz ainda está conosco. Sim, o mundo está absurdamente esquisito. Já ninguém confia nas imposições dos prefeitos, a esta hora na terra é um tanto carnaval, um tanto conspiração, um tanto medo. Metade fé, metade folia, metade desespero. E, provavelmente, a esta hora, uma metade do mundo está vencendo e a outra metade dormindo, há ainda outra metade limpando as armas, outra limpando o pó das flores. Mas, por causa do que me ensinou o místico, eu acredito que exista, agora, alguém profundamente acordado. Alguém que esteja vivendo entre o intervalo tênue entre o sonho e a agilidade. Suponho que ele saiba perfeitamente que este começo de século será nosso batismo do voô para nossa persistência no amor.João molhou a testa de Manuel. Os gritos das ruas molham as testas de nossos corações. 

De que lado você está, eu não me importo! De que garfo você come, de que copo você bebe, que posto certo você escolhe, qual é seu orixá, seu partido, sua altura, de qual de suas cicatrizes cuida, que pássaro você prefere, quem é seu pai, qual é seu samba, Pinot noir ou Chardonay, que protetor você usa, qual é sua pele, seu perfume, qual político, quantos amores você sonha, em que Fernando, em que Ofélia, em que cinema, em que bandeira, em que cabelo você mora, qual dos túneis de Copacabana. Rezo para seus santos quando atravessar.

É… é impossível viver no país de Deus. Isso eu te dou de barato. Mas, atravessar o gramado de Deus em bicicleta, isso não é impossível, não.

Escuta, isso é sério!

Andamos crescendo juntos, distraidamente. As árvores crescem conosco. Nossa pele se estende, nosso entendimento, teso, também. O século cresce conosco. O amor pelas ventas da cara do mundo, também.
Quanto a um pra um entre nós dois, isso logo se vê. Não sei nada sobre a paixão, suspeito que você também não. Mas, começo a entender que o compasso da fé está mudando a passos largos. Dois pra lá e dois pra cá.

Portanto, escute.
Isto é muito serio!
Isto é uma proposta aos trinta anos.

Agora que o mercúrio assumiu sua posição certa, vem comigo achar o meu trono mágico entre a folhagem. E, no caminho até lá, vem dançar comigo, vem!

Matilde Campilho

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Meu coração tropical está coberto de neve, mas
Ferve em seu cofre gelado
E à voz vibra e a mão escreve mar
Bendita lâmina grave que fere a parede e traz
As febres loucas e breves
Que mancham o silêncio e o cais
Roserais, Nova Granada de Espanha
Por você, eu, teu corsário preso
Vou partir a geleira azul da solidão
E buscar a mão do mar
Me arrastar até o mar, procurar o mar
Mesmo que eu mande em garrafas
Mensagens por todo o mar
Meu coração tropical partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos
E as rosas partindo o ar
Nova Granada de Espanha
E as rosas partindo o ar


(Aldir Blanc / música de João Bosco)

Antes do Nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o «de», o «aliás»,
o «o», o «porém» e o «que», esta incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Adélia Prado

domingo, 7 de maio de 2017

Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender


(Pablo Neruda)
Sobre as reflexões de uma semana bem montanha-russa:

Dramas excessivos e peripécias mil são ótimas no cinema e na literatura. Mas na vida real, o que nos traz bem estar , sentimento de pertencimento, paz de espírito é conversar com quem apreciamos e nos entende e nos aceita como somos, é trabalhar naquilo que gostamos , é fazer o que se bem entende no final de semana, mesmo que seja simplesmente vagar pela casa de pijama... afinal, é tão bom estar em paz conosco mesmo e com quem está ao nosso redor. A gente descobre que nem tudo é para nós, que a gente não precisa importar um modelo de felicidade aceito pela maioria, que para nós passar o Carnaval vendo Netflix pode ser muito mais divertido.

Embora a gente entenda que cada coisa tem o seu tempo, o seu ritmo, que não adianta dar murro em ponta de faca, alguns momentos o coração se afoba e precisamos respeitar isso, trata-lo com carinho e cuidado, mas, sem sucumbir aos pedidos dramáticos e malucos que ele faz. 

A gente aprende que devemos lutar pelos nossos sonhos, mas se não rolar, não rolou, descobriremos novos caminhos, novas possibilidades. Nada é tão definitivo!

A gente percebe que ter dinheiro é bom, mas que ter tempo para relaxar e curtir é fundamental. A gente descobre que trabalhar por amor é delicioso, mas que o pagamento precisa ser justo pois as contas não se pagam sozinhas. Às vezes , a gente abre mão de um passeio ou de um projeto porque admite que está cansado, que anda trabalhando demais, que precisa de um tempo para ler aquela pilha de livros. Que a gente não precisa ser a super heroína o tempo todo. Que a gente não precisa dizer sim para todos os convites e que a gente deve tratar a todos com respeito, mas não precisamos ser amigos de todo mundo nem permitir que nos manipulem pois somos bonzinhos.

A gente descobre que pode voltar atrás sim se pegou o caminho errado. Que não há vergonha alguma em se reconhecer meio perdido neste mundo louco. Que a gente não precisa provar nada a ninguém nem a nós mesmos. Que a gente vive do jeito que é possível, que a gente consegue viver. Que a vida não é fácil, mas, mesmo assim encantadora, e que a gente não precisa complica-la ainda mais com autoenganos e pessoas que só tumultuam. Que fazer seu trabalho com amor e viver com dignidade podem ser grandes formas de sucesso!

sábado, 6 de maio de 2017

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

(Manoel de Barros)

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


(Cecília Meireles)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!… E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta…
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas…

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço…
Pra que pensar? Também sou da paisagem…

Vago, solúvel no ar, fico sonhando…
E me transmuto… iriso-me… estremeço…
Nos leves dedos que me vão pintando!


(Mário Quintana)

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina, paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será
Palavras, apenas
Palavras pequenas
Palavras

Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será
Palavras, apenas
Palavras pequenas
Palavras, momentos
Palavras palavras
Palavras palavras
Palavras ao vento

Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será
Palavras, apenas
Palavras pequenas
Palavras, momentos
Palavras palavras
Palavras palavras
Palavras ao vento
Palavras, apenas, apenas
Palavras pequenas
Palavras

(Cássia Eller)


terça-feira, 2 de maio de 2017

Bem ou mal, decidi te perdoar
decidi abrir as portas
ir varrendo as folhas mortas
desentupir a minha aorta
e livrar este lugar.
Pode ir, pode ir tranquilo
já acalmei a minha ira
e eu já sei que a terra gira
mesmo se eu quiser parar.
Não quero justificativas
nem respostas assertivas
(me dizendo que lamenta,
que um dia a mágoa assenta,
e que qualquer hora dessas,
eu aprendo a aceitar).
Não diga nada
pois tantos danos consumados
já ficaram no passado
e estou dando passos largos
pra poder cicatrizar.
Eu quero ver você voando
usufruindo do desmando
libertando as suas ânsias
para aumentar essa distância
até a última instância
pra qual eu possa te afastar.
Siga em frente
não olhe para trás
ainda que você se arrependa
o passado não está à venda
para alterar suas legendas
em cada uma das cenas
que você queria apagar.
Siga em frente,
eu te dou essa anistia
assino a sua alforria
por ato de sua autoria
que eu já parei de questionar.
Voe, voe sim
procure uma nova casa
e bata suas asas,
cada vez mais forte,
rumo a um outro norte
para comemorarmos a morte
dessa mágoa, enfim.
Voe perdoado
voe libertado
voe todo dia,
tranquilamente,
cada vez
para mais longe
de mim...


"Não faz diferença
se você vem amanhã
ou não vem
desisti de esperar
por alguém
cuja ausência
me faz companhia."

(desconheço autor)
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você


Chico Buarque


SONETO DA FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

(Vinícius de Moraes)