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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...


(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

"[...]
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta…
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas…

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço…
Pra que pensar? Também sou da paisagem…

Vago, solúvel no ar, fico sonhando…
E me transmuto… iriso-me… estremeço…
Nos leves dedos que me vão pintando!"


(Mário Quintana)


" … poesia pra mim é a loucura das palavras, é o delírio verbal, a ressonância das letras e o ilogismo. Sempre achei que atrás da voz dos poetas moram crianças, bêbados, psicóticos. Sem eles a linguagem seria mesmal. (…) Prefiro escrever o desanormal. 


Manoel de Barros

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.

Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho inerte.

As tuas mãos são rolas presas.
Os teus lábios são rolas mudas.
(que aos meus olhos vêm arrulhar)

Todos os teus gestos são aves. És andorinha no abaixares-te, condor no olhares-me, águia nos teus êxtases de orgulhosa indiferente.
E toda ranger de asas, como dos (…), a lagoa de eu te ver. Tu és toda alada, toda (…)

Chove, chove, chove…
Chove constantemente, gemedoramente (…)
Meu corpo treme-me a alma de frio… Não um frio que há no espaço, mas um frio que há em vir a chuva…

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.


(Fernando Pessoa)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

"Ontem chorei. Por tudo que fomos. Por tudo o que não conseguimos ser. Por tudo que se perdeu. Por termos nos perdido. Pelo que queríamos que fosse e não foi. Pela renúncia. Por valores não dados. Por erros cometidos. Acertos não comemorados. Palavras dissipadas. Versos brancos. Chorei pela guerra cotidiana. Pelas tentativas de sobrevivência. Pelos apelos de paz não atendidos. Pelo amor derramado. Pelo amor ofendido e aprisionado. Pelo amor perdido. Pelo respeito empoeirado em cima da estante. Pelo carinho esquecido junto das cartas envelhecidas no guarda-roupa. Pelos sonhos desafinados, estremecidos e adiados. Pela culpa. Toda a culpa. Minha. Sua. Nossa culpa. Por tudo que foi e voou. E não volta mais, pois que hoje é já outro dia. Chorei. Apronto agora os meus pés na estrada. Ponho-me a caminhar sob sol e vento. Vou ali ser feliz e já volto."

(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trêmulos anelos.


Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.


Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono...


Desejos vagos, olvidadas queixas
Vão morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescências do teu sono.


(CRUZ E SOUZA )

domingo, 19 de fevereiro de 2017



SOBRE A VIDA E O TEMPO
Trecho de entrevista dada por Cora Coralina, poetisa brasileira (1889-1985).

"Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo a você: Não pense. Nunca diga: Estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo que estou velha e nem que estou ouvindo pouco.


É claro que, quando preciso de ajuda, eu digo que preciso. Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos. Isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida.

O melhor roteiro é ler e praticar o que se lê. O bom é produzir sempre e não dormir de dia. Também não diga para você mesma que está ficando esquecida porque assim você fica mais.

Nunca digo que estou doente, falo sempre: Estou ótima!

Não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa.

Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então, silêncio!

Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não. Você acha que eu sou?

Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. Filha dessa abençoada terra de Goiás. Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos.

Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.

Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade. Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.

Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor.

Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar. Porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir."

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de
Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade.
Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo.
Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei – na hora.
Melhor alembro.
…………
O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em
mim. Me abracei com ele. Mel se sente é todo lambente –
“Diadorim, meu amor...” Como era que eu podia dizer aquilo?
………
E como é que o amor desponta.
…..
Coração cresce de todo lado. Coração vige feito
riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas.
Coração mistura amores. Tudo cabe.
………
E eu – como é que posso explicar ao senhor o poder de amor que eu
criei? Minha vida o diga. Se amor ?
... Diadorim tomou conta de mim.
………….
E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu tinha gostado. Amor que amei – daí então acreditei.
……
Um Diadorim só para mim. Tudo tem seus
mistérios. Eu não sabia. Mas, com minha mente, eu abraçava
com meu corpo aquele Diadorim-que não era de verdade. Não
era?
………………
Diadorim deixou de ser nome, virou sentimento meu
……..
Aquilo me transformava, me fazia crescer dum modo, que doía e prazia. Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava.
……….

Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as
surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.
……..
Tudo turbulindo. Esperei o que vinha dele. De um aceso,
de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às
loucas, gostasse de Diadorim,
……
no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de
empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em
Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas
demais vezes, sempre.
……
Abracei
Diadorim, como as asas de todos os pássaros
…….
Só se pode viver
perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a
gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um
descanso na loucura.
…….
amor é a gente querendo achar o que é da gente.


 

O coração cresce de todo lado. Columiando. Tudo cabe. E eu? Como posso explicar para o senhor o poder de amor que eu criei? Minha vida que o diga. E de repente eu estava gostando no descomum. Gostando ainda mais do que antes. Com meu coração nos pés. Amor que amei e então acreditei. Tudo tem seus mistérios, eu não sabia; mas com minha mente eu abraçada com meu corpo. Deixou de ser nome e virou sentimento meu. Aquela hora se eu pudesse morrer, não me importava. Eu diria que sempre que se começa a ter amor a algúem, isso cresce e pega. Mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteirisso, faltal, carecendo de querer. Amor desses cresce primeiro, bota depois. Tudo burburindo. Esperei o que vinha dele. No fim de tanta exaltação, meu amor inchou. De impapar todas as folhagens. E eu ambiciando de pegar em meus braços. Beijar. As muitas vezes, sempre. Abracei com as asas de todos os passaros. Amor é a gente querendo achar o que é da gente.

Leilão de Jardim

Quem me compra um jardim
com flores?

borboletas de muitas
cores,

lavadeiras e
passarinhos,

ovos verdes e azuis
nos ninhos?

Quem me compra este
caracol?

Quem me compra um raio
de sol?

Um lagarto entre o muro
e a hera,

uma estátua
da Primavera?

Quem me compra este
formigueiro?

E este sapo, que é
jardineiro?

E a cigarra e a sua
canção?

E o grilinho dentro
do chão?

(Este é o meu leilão!)


Cecília Meireles

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

La La Land nos fala, a cada cena, que cabe a nós escolher nosso destino. Sua narrativa, admito, até um pouco clichê, fala em nosso comprometimento com o que acreditamos, com o que faz nosso coração vibrar.


O filme já começa nos tirando o fôlego com uma belíssima e bem construída sequência em uma rodovia, já nos deixando claro que o filme vai nos trazer um diálogo, entre a realidade e o sonho, temperado com muita arte, com muita poesia.


Através da história de Mia e Sebastian - ela uma mulher que sonha em ser atriz e ele, um músico apaixonado por jazz - podemos refletir não só sobre o amor romântico, mas, também, sobre a confiança no outro, sobre mãos estendidas.


Nossos “heróis” colecionam fracassos e decepções, que bem sabemos, machuca, desanima, faz pensar em desistir... mas também são tocados pelo toque suave da fé nos seus ideais. Afinal como já disse a canção: “quando tudo está perdido sempre existe uma luz” e eles, através da luz do amor, seguem. La La Land mostra a vida como ela é, com alto e baixos, lembra daquela canção do Titãs que diz que “A cada um cabe alegrias e as tristezas que vier”?


O filme nos ensina que amor é a liberdade de morar no outro, sem deixar de respeitar a individualidade, a história do outro; que amar é mais que estar perto, mais que posse, é torcer, vibrar com a felicidade do ser amado.


Damien Chazelle, o diretor – que também escreveu La La Land, acertou muito em nos trazer cenas coloridas e ensolaradas, mesclando melancolia e alegria, referenciando grandes clássicos do cinema e usando um pouco daquela ideia de contos de fadas com o com pessoas apaixonadas flutuando no ar, cantando o amor ou sapateando em coreografias cronometradas, recebendo o contraste da realidade nua e crua, equilibrando a doçura com doses iguais de amargor.


O filme está todo alinhado desde a montagem dinâmica, a fotografia colorida, a dosagem certa de música, os quadros de Hopper espalhados pelas cenas, os figurinos sempre apresentando contrastes, tal como a história.


Definitivamente, o filme é um deleite visual e auditivo, que deixa o coração mais alegre com um desejo intenso de cantar e dançar, de celebrar as estações da vida!


"Pra ti que quer se encontrado, pra ti que nunca para de sonhar, pra ti que ama, pra ti que não desiste, pra ti que já foi humilhado, pra ti que quase desistiu, pra ti que vive. Pra ti. La La Land é teu retrato, e você é o reflexo mais bonito de um dos melhores filmes da humanidade. Um brinde aos tolos (nós artisticamente humanos)."

A Natally Rodrigues resumiu lindamente La La Land, um filme que nos fala, a cada cena, que sempre cabe a nós ESCOLHER!


"Mas precisamos dar um sentimento humano às nossas construções."
(VERÍSSIMO, Olhai os lírios dos campos, p.153)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

“Nos demais – eu sei,
qualquer um o sabe –
o coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração –
em todas as partes palpita.”


Maiakóvski

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Às vezes tinha a impressão de que aquele cheiro doce e gostoso era o próprio cheiro do luar ...



"Que minha solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo." 

Clarice Lispector

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Amor de Índio

Tudo que move é sagrado
e remove as montanhas com todo o cuidado, meu amor.

Enquanto a chama arder, todo dia te ver passar
tudo viver a teu lado
com o arco da promessa
no azul pintado pra durar.

Abelha fazendo o mel vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu, o pedido que se pensou

O destino que se cumpriu de sentir seu calor e ser todo Todo dia é de viver para ser o que for e ser tudo

Sim, todo amor é sagrado
e o fruto do trabalho é mais que sagrado, meu amor.

A massa que faz o pão vale a luz do seu suor
Lembra que o sono é sagrado
e alimenta de horizontes
o tempo acordado de viver.

No inverno te proteger, no verão sair pra pescar
no outono te conhecer, primavera poder gostar

No estio me derreter pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu de sentir seu calor e ser todo


(Beto Guedes)

https://www.youtube.com/watch?v=kS8iOUT1gIE


Deixar de viver algo com a desculpa que não sabemos o que vai acontecer depois, é a desculpa mais comum nas pessoas que não assumem a coragem de viver uma experiência, que o coração está levando a fazer (abro um parênteses aqui explicando que "coração" aqui não significa romance, podemos substituí-la por alma), afinal todos nós sabemos que no fundo Nunca sabemos, o que vai acontecer em nenhum momento, em nenhuma circunstância, mesmo quando "pensamos" estar no caminho certo!
Nunca temos certeza que vamos acordar, mas dormimos!
Nunca sabemos se ao virarmos a esquina, não sofreremos um acidente fatal!
Nunca sabemos quando vamos perder uma pessoa de vista, quando será a última vez que a veremos.
Nunca sabemos nada!
Então porque temos tanto medo da perda do controle sobre nossas vidas, impomos regras demasiadas a nós mesmos, determinando que precisamos ser Perfeitos!
Eu pergunto: quando você realmente teve controle sobre algo?
Eu pergunto: - o que é ser perfeito?
Ser perfeito é viver uma vida sem riscos, sem surpresas, sem frio na barriga?
Ser perfeito é fazer todos os dias as mesmas coisas, numa rotina incansável onde os dias são absolutamente iguais?
Enquanto da nossa infância e adolescência, nos permitimos ter mais ímpetos, mais curiosidades, menos medos.
Por que?
Não me diga que não tem mais tempo para ser "aventureiro", que hoje suas prioridades são outras, que isso é coisa de jovem!
Você não tem mais tempo, porque ficou preso na teia do medo que todos temos na vida, mas alguns usam o medo como desculpa para estacionar.
E, não temos mais tempo, porque a cada dia desde que nascemos, estamos mais perto de partirmos dessa experiência humana e,ninguém sabe quando, onde e de qual forma, então porque deixar de fazer coisas que sempre nos deram prazer e nos fizeram felizes, ou porque deixar de ter uma nova experiência na vida, se a cada instante, temos menos instantes e menos possibilidades de vivermos algo absolutamente mágico, como uma nova experiência!
Se der frio na barriga, se fizer bem pro coração e pra alma, se arrepiar a pele, se te trouxer paz,se fizer sorrir, se valer a pena, VIVA, CURTA, SORRIA E ARRISQUE-SE!
Deixe de lados as regras de perfeição. Só nos lapidamos em movimento, você não sabe se esse novo relacionamento será seu grande amor, mesmo que ele não seja exatamente aquilo que você esperava, porque expectativas criam decepções, apenas abra o coração e permita-se ser pleno, intenso e verdadeiro! Permita-se o primeiro beijo!
Se esse novo emprego que chegou pode ser sua oportunidade de crescimento profissional.
Se essa viagem sozinho ou mesmo acompanhado, não pode ser a viagem da sua vida!
Se saltar de para-quedas é amedrontador, apenas por seu medo de altura! 
Se olhar nos olhos de alguém e dizer "Eu te amo", pode ser mais doce do que ouvir!
Se pedir perdão, vai te libertar mesmo ou se é papo furado de um povo estranho que vive sorrindo!
Apenas não tenha medo, não dê desculpas, viva, porque essa é a única vida que você tem, desse jeito que você é. Se há outra? Não sei, nesse momento, tenho essa pra viver!
E ai?
Bora ser feliz?
Bom é quando a gente descobre
que não precisa ser perfeito,
que não precisa ser aceito,
que não precisa agradar a todos,
que não precisa ter razão,
que não precisa concorrer,
que só precisa viver...

(desconheço a autoria)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

“Amor pra mim é ser capaz de permitir que aquele que eu amo exista como tal, como ele mesmo. Isso é o mais pleno amor. Dar a liberdade dele existir ao meu lado do jeito que ele é.”

Adélia Prado

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?"


(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Verbos do Amor

E se eu te telefonar
Se mandar te buscar
Der o braço a torcer
Sei que irias ganhar
E eu não iria perder
Da outra vez eu sofri
Te magoei me feri
Foi difícil a prender
Que quando chega a paixão
Justamente a razão
É a primeira a ceder
Mas as palavras vazias
Rolaram na mesa
Pesaram o ar
Eu não sabia pedir
Tu não sabias perdoar
Mulher nascida pra amar
Tenho que obedecer
Ao que destino quis
E satisfeita a dizer
Que sofrer de amor
Só me deixa feliz


(Gal Costa)

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Eu não quero ser o destino Eu prefiro ser o caminho. Eu não quero ser despedida Prefiro ser reencontro. Eu não quero ser ponto final Prefiro ser reticências. Eu não quero ser lâmpada acesa Prefiro ser a corrente elétrica. Eu não quero ser cerca Prefiro ser horizonte. Eu não quero ser guia Prefiro ser pegadas. Eu não quero ser a dureza do ferro Prefiro ser moldável como o barro. Eu não quero ser o sofrimento sentido Prefiro ser a certeza do aprendizado. Eu não quero ser a tortura das palavras Prefiro ser o silêncio das almas. Eu não quero ser braço Prefiro ser abraço. Eu não quero certezas paralisantes Prefiro ser a dúvida que me move. Eu não quero ser luz em dia de sol Prefiro ser vela em noite escura. Eu não quero ser tempestade Prefiro ser brisa suave.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Poeira, cinzas
Ainda assim
Amorosa de ti
Hei de ser eu inteira.


Vazio o espaço
Que me contornava
Hei de estar ali.
Como se um rio corresse
Seu corpo de corredor
E só tu o visses.
Corpo do rio? Sou esse.


Fiandeira de versos
Te legarei um tecido
De poemas, um rútilo amarelo
Te aquecendo.


Amorosa de ti
VIDA é o meu nome. E poeta.
Sem morte no sobrenome.


(Hilda Hilst)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Devo viver entre os homens
Se sou mais pelo, mais dor
Menos garra e menos carne humana?
E não tendo armadura
E tendo quase muito do cordeiro
E quase nada do que empunha a faca
Devo continuar a caminhada?
Devo continuar a te dizer palavras
Se a poesia apodrece
Entre as ruínas da Casa que é a tua alma?
Ai, Luz que permanece no meu corpo e cara:
Como foi que desaprendi a ser humana?

Hilda Hilst

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?




(Ferreira Gullar)