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sábado, 31 de dezembro de 2016

Receita de Ano Novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


( Carlos Drummond de Andrade )

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Via Láctea


“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora! “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

(Olavo Bilac)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

E O CORAÇÃO NA CURVA DE UM RIO

Olha lá quem vem virando a esquina. Ano Novo, vida nova. Uma chance (ainda que ilusória) de começar do zero, de não repetir os erros, de ser alguém melhor num passe de mágica. Ainda que neguemos, sempre fazemos uma lista de planos-promessas, títulos emocionais que planejamos resgatar. Dieta, exercícios, viagens, mudanças, hábitos... Tudo certo pra iniciar à zero hora do dia 01 de janeiro.
Pula 7 ondinhas, bota barquinho no mar, come lentilha, uva e romã, guarda as sementes, acende velas, incenso e solta fogos, pede ajuda aos anjos, aos santos, aos orixás. 'Langerí' nova, com a cor do que se quer: vermelho-paixão, amarelo-dinheiro, branco-paz, rosa-amor...Simpatias e mandingas pra conquistar tudo o que se quer.
Mas não tem milagre que ajude quando nosso coração é curva de rio. Tudo ali acumula, para, vicia. E cada vez mais atraímos tranqueiras. Aquele emprego de merda - mas que é suficientemente confortável - é curva de rio. O relacionamento abusivo - mas a gente ama taaanto - é curva de rio. Aquela tralha toda no roupeiro - mas eu gosto tanto daquela 'brusinha' - é curva de rio. Esperar que o crush venha até nós - porque eu sou tão especial - é curva de rio.
E por maior que seja a intenção de mudança, se não houver ação de mudança, tudo vai ficar na mesma. O slogan do mundo espiritual provavelmente é 'me ajuda a te ajudar'. Mas a gente não se ajuda. E continua trabalhando sem satisfação, engolindo fast-food sem gosto, praticando fast-foda sem gozar, mofando roupas no armário, mofando planos na cabeça, não sabendo diferenciar amor de carência.
2017 pode ser diferente. Pula as 7 ondas, mas muda um hábito ruim. Bota barquinho no mar, mas age com fé de verdade. Come lentilha, uva e romã, e troca o fast-food por comida caseira (faz um curso, aprende a cozinhar algo além de miojo). Acende velas e incenso, mas não solta mais fogos pensando nos catioríneos por aí. Pede ajuda ao ser sobrenatural que for, mas respeita a fé dos outros.
Coloca o coração na correnteza. Navega com vontade, aceita os obstáculos e aprende a lidar com eles. E assim não garanto que 2017 será um ano melhor. Mas será com certeza um ano diferente.


Vinícius De Miranda Santiago

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…


(Mário Quintana)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

"Despe-te das palavras e te aquece.
Toma nas mãos esses odres de terra.
E como quem passeia, leva-os ao mar.
Se tudo te foi dado em abundância
O sal e a água de uma maré cheia
Eu te darei também a temperança.
Deita-te depois e vibra tua garganta
Como se fosse um início de um cantar.
Não cantes todavia.
Aqui, zona de tato e calor, margem do ser
Larga periferia, olha teu corpo de carne
Tua medida de amor, o que amaste em verdade.
O que foi síncope.
Todavia não cantes na perplexidade."


HILDA HILST

domingo, 25 de dezembro de 2016

Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós.
É mais, é como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse
O gozo de saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinqüenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema.
É mais.E por isso perdoa
Todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença.


(Hilda Hilst)

sábado, 24 de dezembro de 2016

VOCÊ VAI VER

Você vai implorar me pedir pra voltar
E eu vou dizer
Dessa vez não vai dar

Eu fui gostar de você
Dei carinho, amor pra valer
Dei tanto amor
Mas você queria só prazer

Você zombou
E brincou com as coisas mais sérias que eu fiz
Quando eu tentei
Com você ser feliz

Era tão forte a ilusão
Que prendia o meu coração
Você matou a ilusão
Libertou meu coração
Hoje é você que vai ter de chorar
Você vai ver


(Tom Jobim)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.


Fernando Pessoa

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Falando com elas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que o nome chamamos de amigos.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que a Deusa acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.
Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia...

(Texto original Ana Jácomo - fiz algumas alterações para melhor expressar o que me passava na alma...)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Lista

Faça uma lista de grandes amigos,
quem você mais via há dez anos atrás...
Quantos você ainda vê todo dia ?
Quantos você já não encontra mais?
Faça uma lista dos sonhos que tinha...
Quantos você desistiu de sonhar?
Quantos amores jurados pra sempre...
Quantos você conseguiu preservar?
Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora...
Quantos mistérios que você sondava,
quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
era o melhor que havia em você?
Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer ?
Quantas canções que você não cantava,
hoje assobia pra sobreviver ...
Quantos segredos que você guardava,
hoje são bobos ninguém quer saber ...
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você?

(Oswaldo Montenegro)
Tenho coragem de falar o que penso, de ser ridícula, ingênua, louca... Tenho coragem de expor minha vulnerabilidade num mundo que presa e prega a lei da força, da luta e da estabilidade emocional.
Tenho coragem de ser mais emoção do que razão e de consultar minha intuição sempre para que essa força não se perca dentro de mim.
Tenho coragem de ouvir meu ritmo interno e de acreditar na poesia e não ser submissa de um trabalho, do dinheiro, de uma convenção social.
Isso porque, acima de tudo, eu tenho muito medo de perder a vida, de deixar ela passar por mim como uma segunda-feira cheia de burocracias e tarefas banais.
Eu ainda tenho que dizer, que tenho sim muito medo de altura, daquelas subidas longas, daquelas escadas loucas, se eu olho pra baixo, sinto tontura, parece que meu corpo flerta com a vontade de me jogar. Ai eu tremo...
Deve ser porque minha alma aérea tem as asas longas e abertas e nunca teve medo de se jogar nos precipícios das paixões. Nunca teve medo de se arriscar em novas paisagens quando um sentimento forte a invade.


Enquanto meu corpo treme, minha alma se expande e ri da cara do proibido...


(Clara Baccarin)


Bom dia, lindo dia!
Bom dia, vida!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

E do que fui nada importa
Transgrediu
Tudo o que sou nada comporta
Transbordou

domingo, 18 de dezembro de 2016

Como nossos pais

Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz

Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantado como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração

Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais

Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não se enganam, não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer que tou por fora ou então que tou inventando
Mas é você que ama o passado é que não vê
É você que ama o passado é que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei que quem deu me deu a idéia de uma nova consciência e juventude
Está em casa guardado por Deus contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais


Letra de Belchior, imortalizada na voz da maravilhosa" pimentinha Elis Regina

A Idade de Ser Feliz



Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO, e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE e tem a duração do instante que passa.




(Mário Quintana)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Mente, mas diz coisas lindas
Inventa um sonho e me conta
Diga que eu sou inocente
Tonta, tonta, tonta, tonta
Quero ficar muito louca
E arrepiar tua pele
Com qualquer nome na boca
Penso nele, nele,nele, nele

Não me pergunte meu nome
Nem diga o teu
Toma esse amor, depois some
Sem dizer adeus
Quem eu amo não quer nada disso
Não quer os meus sonhos nem nada de mim
E é por isso que agora te aceito e te falo que sim
Beija essa boca com fome, com sede e paixão
Vem, que essa moça sem dono não vai dizer não
Mas me diz que eu sou tão bonita
E até acredita que eu sou fiel
Me abraça, me beija, me excita
E me leva pro céu
...
Bate forte o coração
E começa a minha indecisão
Uma parte quer viver
Outra parte diz que sem você
Não vale a pena
Penso eu tido que ficou
Tanta coisa a gente já passou
Valeu a pena
...

Pode o mundo se acabar
Que vontade de te dar
O meu amor que eu guardei pra gente
Pode o mundo se acabar
Que vontade de te dar
Meu coração que quer você Pra sempre
Pra sempre...

Sempre que eu tentar tirar você de mim
Eu vou perder
Essa tua inspiração
É que me dá forças pra viver
Só você pra seduzir
E me matar de emoção
Eu me acostumei demais
Nosso amor ninguém na vida faz
Algumas pessoas não entendem que talvez aos 27 ou 32 anos, a gente queira mais um gato do que um filho, um iPhone 39 do que um namorado, uma manhã de domingo com pizza fria do que um almoço na casa dos sogros, uma viagem de quatro meses pela Ásia do que aquele emprego promissor em uma empresa chata qualquer...
Os conceitos de felicidade vêm mudando. E tudo bem as pessoas mais próximas a nós, principalmente os mais velhos, quererem que a gente siga o roteiro de sempre. Na cabeça deles, a fórmula da felicidade é a mesma de 20 anos atrás. Por isso às vezes bate aquele medo de estar fazendo tudo errado, de desperdiçar oportunidades ou decepcionar pessoas. Às vezes, a gente até queria acalmar a alma e aceitar uma vida quadrada. Se encaixar no molde. Da vontade de tentar, de se obrigar a se relacionar com aquela pessoa que é legal mas não faz teu estômago dar cambalhotas, de aceitar aquele emprego no último andar do arranha-céu no centro da cidade, de deixar para lá o romance do continente vizinho e aceitar a vida como ela é por aqui.
Só que uma mente que se expande nunca mais volta ao seu tamanho original, certo? Uma alma que se liberta do físico nunca mais se encaixa no mesmo corpo. E entre a saudade do que não foi vivido e a inquietude de uma alma livre... Bom, eu fico com a segunda opção. 


(Maria Maria Alice)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Exaltação

Viver! Beber o vento e o sol! Erguer
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto a arder!
Asas sempre perdidas a pairar!
Mais alto até estrelas desprender!
A glória! A fama! Orgulho de criar!

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos estáticos, pagãos!

Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas,
Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!

Florbela Espanca

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Como Nunca Mais

Saudade, vá, entra à vontade
Porque eu já esperava que fosses voltar
Com esses teus olhos tão verdes
Falando de esperança para me tentar
Saudade, senta-te à vontade
E dá-me notícias que trazes de alguém
Passado, porque tudo passa
E até tu, saudade, vais passar também
Não há dois dias
Nunca iguais
E eu quero viver cada dia
Como nunca mais
É bem possível que amanhã
Ainda me peças para voltar atrás
Mas ouve, o que passou, passou
Nada se repete, para mim tanto faz
É bem possível que outro amor
Cresça em mim em flor da cor do jasmim
O improvável acontece
E até tu, saudade, vais chegar ao fim

(Ana Moura)
"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Sobre fotografar ...

A fotografia é a arte do olhar. É a arte do registro, onde o agora pode ser eternizado, pode ser revisto por anos e anos. Fotografia é a mágica de pegar nas mãos (mesmo por intermédio de dispositivos eletrônicos) um momento que passou. Quantas histórias nos recordamos ao olhar uma foto, quantas memórias saudosas, engraçadas?
Fotografar torna o olhar mais atento. Em tempo de efemeridades, um olhar demorado aquece o coração, aquece a alma. Em um “mundo de selfies” uma fotografia precisa ser expressiva, afinal, um bom olhar ainda é mais raro do que parece.
Através das lentes, conhecemos, vivemos e mostramos realidades que pareciam tão distantes, belezas que passam desapercebidas na correria mecânica do dia a dia.
A fotografia é um trabalho interpretativo, poético, é a prova de que razão e emoção podem andar juntas, que através de um olhar atento, disposto a conhecer e retratar de maneira mais fiel uma realidade, sem perder a sensibilidade e a poesia do olhar, a disposição em viver nem que seja por alguns cliques aquela verdade do outro, aquele momento. 
Muitas vezes, a fotografia despe e retrata a vida em sua forma mais crua. É um olhar que compadece, tem empatia com tantas realidades diferentes. Não digamos que é um olhar imparcial, mas é um olhar que imerge no outro.
Quantos de nós estamos dispostos a olhar as almas com as quais cruzamos? Amigos, família ou até estranhos que em um dia dividem a vida conosco. Pessoas. Almas além dos corpos. Olhos que contam vidas. Esse olhar profundo é o qual a fotografia nos dá de presente: tornar eterno um sorriso que talvez seja tão raro de se ver. Promover culturas lindas que em um mundo tão grande podem passar tão despercebidas. É poesia em forma de registro fotográfico. É história com rimas visuais. Não faladas. Não cantadas. Apenas olhadas com sinceridade, com a verdade do momento e eternizada pela imagem. Fotografar é buscar, em lugares distantes e também naqueles tão próximos, revelar pelas lentes o que os olhos por si só não veem com nitidez. É poema que conta história. É viagem que se faz apenas ao contemplar....

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

"E mesmo que em ti me perca,
Nunca mais serei aquela
Que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela ..."

Quase ...



Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. 

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. 

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.




(desconheço a verdadeira autoria)

domingo, 11 de dezembro de 2016

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na
pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a ‘Nuvem de calça’.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakowski – seu criador.
Fotografei a ‘Nuvem de calça’ e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.


Manoel de Barros

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

"Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem um manual de instruções."


Marta Medeiros

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016



Com o tempo, você analisa que abrir mão de algo muito importante, só se faz quando se tem um motivo maior que esse algo: seja um propósito, uma crença, um valor íntimo, uma obstinação qualquer que te oriente para essa escolha que já se sabia tão dolorosa. É um sacrifício voluntário por algo mais pleno, mais grandioso em Beleza. E, nestas análises, você descobre outras perdas que são positivas: perde-se também a ansiedade, a insegurança e a ilusão. E você aprende a recomeçar agradecendo por vitórias tão pequenininhas… Como quando é noite e antes de dormir você se enche de gratidão: ‘Deus, obrigada, porque é noite e eu tenho o sono… Que venha um sonho novo, então’.


Marla de Queiroz

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."


(Desconheço a verdadeira autoria)

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.


(Carlos Drummond de Andrade)
Dançando

Danço, porque há uma música interna em meu coração
danço porque meus pés são embalados
pelos tambores da terra
danço porque o pulsar da vida
ecoa na sola de meus pés
dando ritmo ao bailado natural em mim

Danço, porque as notas musicais
ressoam e se pintam de luz
dentro e fora do meu coração
danço, porque a dança me transporta
além de mim mesma

Danço, porque os sons
me fazem balançar no ar
como pipa solta levada pelo vento
livre, livre, livre

Danço porque o corpo em circulares movimentos
se move sobre o solo
como se fluísse nas águas cristalinas
que lavam o caminho por onde meus pés passam

Danço, porque a vida é festa
porque o ritmo está em mim
porque meu coração
tambor ressoante
encontra o som da terra
e num só compasso
emanam o amor
em tons serenos
aos corações endurecidos

Danço, porque a dança do corpo
é a leveza da alma
sendo colocada em movimento!

Rose Kareemi Ponce

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O que eu também não entendo



Essa não é mais uma carta de amor
São pensamentos soltos traduzidos em palavras
Pra que você possa entender
O que eu também não entendo

Amar não é ter que ter sempre certeza
É aceitar que ninguém é perfeito pra ninguém
É poder ser você mesmo e não precisar fingir
É tentar esquecer e não conseguir fugir, fugir

Já pensei em te largar
Já olhei tantas vezes pro lado
Mas quando penso em alguém é por você que fecho os olhos
Sei que nunca fui perfeito mas com você eu posso ser
Até eu mesmo que você vai entender

Posso brincar de descobrir desenho em nuvens
Posso contar meus pesadelos e até minhas coisas fúteis
Posso tirar a tua roupa
Posso fazer o que eu quiser
Posso perder o juízo
Mas com você eu tô tranquilo, tranquilo

Agora o que vamos fazer, eu também não sei
Afinal, será que amar é mesmo tudo?
Se isso não é amor, o que mais pode ser?
Estou aprendendo também




(Jota Quest)
Garantias não temos de nada e podemos apostar em tudo, afinal, vivemos em um mundo repleto de oportunidade, mas quem disse que elas não nos atormentariam dia e noite?
Em meio a um redemoinho de questionamentos que permeiam a minha alma (tão humana) eu estava em um ambiente muito simbólico para mim, na beira do rio, em uma conexão com o mundo, com a Deusa, comigo... a questão é que, na verdade, não havia nada para eu me conectar, exceto aqueles motivos tradicionais, pois minhas sensações e sentimentos ainda não possuíam destinatário. Algo me dizia fortemente que o meu prazo de validade expiraria em pouco tempo naquele lugar que eu aprendi a chamar de casa, não conseguia mais brincar de silenciar os sonhos e caçar borboletas imaginárias. Às vezes a insegurança de mudar aperta, mas para os que apostam na intuição, o coração sempre fala mais alto do que o cérebro, e o meu estava gritando.
Haviam muitas perguntas, mas nenhuma resposta, nada que adiantasse, até porque, creio, que no fim das contas eu iria fingir que tudo aquilo foi um desconforto momentâneo. Imersa nessa pós-pós-pós modernidade de questionamentos, meu coração era meu guia mais certeiro, mas encontrar a coragem para segui-lo é onde se encontra o verdadeiro desafio... Coincidências estão nos olhos de quem vê, colocar a culpa nos astros, nos chakras, no carma, não vai me livrar dessa condição socrática ...
Caracas! Mesmo eu não sabendo de nada, meu coração talvez saiba de tudo, só falta assumir algumas incertezas do meu ego...
Uma borboleta se aproxima de mim, e, observando o seu balé aéreo lembrei que talvez estivesse desperdiçando minha liberdade... aquele encanto que eu senti me lembrou subjetivamente de que eu precisava desapegar da minha zona de conforto, viajando nas ideias e nas palavras para voltar e me sentir em casa novamente, quem sabe assim meu recomeço não precise de uma outra morada, apenas de uma nova fachada ... Às vezes a liberdade é como uma borboleta que pousa em nosso braço e, que com o passar do tempo, vai nos trazendo nossa essência de volta, é pra lá que eu vou...
"Às vezes é preciso diminuir a barulheira, parar de fazer perguntas, parar de imaginar respostas, arquitetar um pouco a vida para simplesmente deixar o coração nos contar o que sabe. E ele conta com a calma e clareza que tem."

Congresso internacional do medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 4 de dezembro de 2016

Tanta tinta


Ah! menina tonta,
toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta...
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
com tanta tinta?...)

A ponte aponta
e se desaponta.
A tontinha tenta
limpar a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta...

Ah! a menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!

(Cecília Meireles)