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domingo, 24 de junho de 2018

Clarice no quarto de despejo

No meio do dia
Clarice entreabre o quarto de despejo
pela fresta percebe uma mulher.
Onde estiveste à noite, Carolina?
Macabeando minhas agonias, Clarice.
Um amargor pra além da fome e do frio,
Da bica e da boca em sua secura.
De mim, escrevo não só a penúria do pão,
cravo no lixo da vida, o desespero,
uma gastura de não caber no peito,
e nem no papel.
Mas, ninguém me lê, Clarice,
Para além do resto.
Ninguém decifra em mim
a única escassez da qual não padeço,
- a solidão -
E ajustando o seu par de luvas claríssimas
Clarice futuca um imaginário lixo
e pensa para Carolina:
- a casa poderia ser ao menos de alvenaria -
E anseia ser Bitita inventando um diário:
páginas de jejum e de saciedade sobejam,
a fome nem em pedaços
alimenta a escrita clariciana.
Clarice no quarto de despejo
lê a outra, lê Carolina,
a que na cópia das palavras,
faz de si a própria inventiva.
Clarice lê :
- despejo e desejos –

Conceição Evaristo

#ConceiçãoEvaristonaABL

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